ILO / Lexology: STJ profere decisão que apoia a agricultura brasileira

13.10.2022

 

Este artigo foi originalmente publicado na Newsletter Litigation-Brazil do International Law Office – www.lexology.com/commentary

 

Introdução

No final de junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) do Brasil proferiu decisão sobre as exigências para a recuperação judicial dos agricultores brasileiros de acordo com a Lei de Falência e Recuperação Judicial do Brasil.(1)

Embora a última atualização desta Lei tenha sido realizada em 2020, com a Lei No. 14.112/20, a legislação anterior só permitia a recuperação judicial dos agricultores (2) que atendessem aos requisitos específicos, tais como ter sua atividade agrícola registrada na Junta Comercial por 2 anos antes de pedir a recuperação judicial.

Com a decisão, o STJ determinou que a exigência de dois anos dependia da atividade agrícola e não do registro do agricultor na Junta Comercial, o que facilitou a recuperação judicial de mais agricultores.

Histórico

A indústria agrícola brasileira vem evoluindo nos últimos 20 anos e migrou continuamente de pequenas organizações familiares e/ou informais para grandes instituições econômicas e empresariais. O reflexo de tais mudanças pode ser visto tanto em termos econômicos quanto jurídicos, no sentido de que a recuperação judicial dos agricultores brasileiros parecia remota há alguns anos, um setor historicamente distante das práticas mais modernas de grandes capitais.

No entanto, a Lei de Falência e Recuperação Judicial permitiu que os agricultores se registrassem na Junta Comercial, dois anos antes de pedirem recuperação judicial.

A seção 48 foi revista de forma diferente nos tribunais estaduais. Os tribunais declararam de forma variada que o prazo de dois anos está relacionado:

  • ao registro perante a junta comercial; e
  • a atividade agrícola em si ( nesse caso, o agricultor deve apresentar evidências suficientes de tal atividade), e não ao seu registro.(3)

Nos últimos anos, muitas recuperações judiciais de agricultores foram contestadas nos tribunais, uma vez que os agricultores buscaram cada vez mais ajuda devido à crise econômica.

 

Fatos

O Tema nº 1.145, julgado pela segunda seção do STJ, começou com os recursos especiais nº 1.905.573 e nº 1.747.011, originários respectivamente dos estados de Mato Grosso e Paraná, amplamente conhecidos por suas fortes economias agrícolas.

Ambos os recursos especiais trataram da questão da necessidade de registro dos agricultores na Junta Comercial dois anos antes da apresentação do pedido de recuperação judicial.

 

Decisão

A revisão teve início em 2021. O Ministro do STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, atuando como presidente da comissão gestora de precedentes e ações coletivas, declarou que a questão era juridicamente significativa devido ao fato de que decisões relacionadas haviam sido proferidas em 11 recursos especiais e 225 decisões relevantes no STJ. Portanto, a grande quantidade de discussões permitiu ao STJ uniformizar a interpretação do tema. Com esta decisão, ambos os casos foram atribuídos ao Ministro Luis Felipe Salomão e começaram a ser julgados em setembro de 2021.

A primeira decisão proferida pelo Ministro Salomão foi em maio de 2022. O julgamento reconheceu que a questão havia sido discutida em uma série de recursos especiais, e os dois recursos especiais analisados preenchiam os requisitos para decisão sobre seus méritos e não deveriam ser admitidos.

O Ministro Salomão decidiu que o assunto era muito relevante. Consequentemente, a Lei de Falências e Recuperação Judicial foi atualizada pela Lei nº 14.112/2020, com a inserção do artigo 70-A. Esta seção declarava especificamente que os agricultores poderiam apresentar um plano especial para sua recuperação judicial se suas dívidas não excedessem 4.800.000 reais.(4)

Portanto, o STJ estabeleceu que a questão em análise era se os agricultores que tinham claramente trabalhado por mais de dois anos poderiam apresentar um pedido de recuperação judicial mesmo que tivessem sido registrados na Junta Comercial por menos tempo. O julgamento começou em maio de 2022 e terminou em agosto de 2022.

O Ministro Salomão proferiu sua decisão em agosto de 2022. Ele analisou a jurisprudência relacionada à exigência de agricultores não organizados como empresas ou entidades empresariais e os pareceres apresentados pelas entidades amicus curiae que pediram para participar do caso.

Embora os tribunais estaduais tivessem decidido anteriormente que os agricultores que haviam sido registrados menos de dois anos antes do pedido não tinham direito à recuperação judicial, o Ministro Salomão considerou o seguinte:

  • Embora a lei exigisse dois anos de atividade agrícola, isso poderia ser comprovado por outros meios além do registro.
  • Em decisões anteriores a terceira e quarta Turmas do STJ divergiram do entendimento dos tribunais estaduais sobre o assunto, já que a condição estabelecida pela Lei nº 11.101/05 era de dois anos de atividade agrícola.
  • A recuperação judicial é um instrumento relevante para ser utilizada para superar a instabilidade e promover os valores da Constituição Brasileira.
  • Se a lei pretende proteger os agricultores e dar-lhes o direito à recuperação judicial, a exigência de registro na Junta Comercial não pode impedir um agricultor de requerer a recuperação judicial se suas propriedades agrícolas estiverem registradas há mais de dois anos, como exige a Lei No. 11.101/05.

Portanto, o ministro Salomão decidiu que o agricultor que organizou suas atividades como “entidade empresarial” por mais de dois anos pode pedir recuperação judicial, desde que seja registrado perante a Junta Comercial (sem limitação de tempo quanto ao registro).

Esta decisão foi aprovada por unanimidade pelos demais ministros do STJ. Em 3 de agosto de 2022, concluiu-se que o período de dois anos de registro não era mais necessário para a recuperação judicial dos agricultores.

 

Comentário

De acordo com o Instituto Brasileiro de Estatística, em 2017, apenas 975.000 dos 5 milhões de produtores rurais no Brasil foram registrados no Ministério da Fazenda. A decisão do STJ é, portanto, um grande incentivo para aproximar tais produtores das práticas profissionais, da organização e da inclusão econômica.

O aumento das práticas profissionais, da organização e da inclusão econômica certamente fará com que esses agricultores tenham mais acesso a melhores mercados, financiamentos e desenvolvimento.

Por outro lado, a decisão também traz segurança jurídica para aqueles que pretendiam desenvolver mais negócios com os produtores, permitindo-lhes avaliar melhor os riscos e as possibilidades legais que podem surgir se o produtor vier a pedir recuperação judicial.

O mercado brasileiro de ativos distressed está atualmente repleto de oportunidades com a recuperação judicial de agricultores que pediram recuperação judicial antes das mudanças feitas à Lei nº 11.101/05 pela Lei nº 14.112/20. A decisão do STJ traz mais certeza àqueles que estão interessados em adquirir bens dentro da recuperação judicial, encerrando longas discussões sobre a admissão da recuperação judicial e a certeza da aquisição.

Para maiores informações sobre este assunto, favor contatar Paulo Guilherme de Mendonça Lopes ou Alexandre Paranhos Tacla Abbruzzini do Leite Tosto E Barros Advogados Associados pelo telefone (+55 11 3847 3939) ou email (paulogml@tostoadv.com ou alexandrepta@tostoadv.com). O website do Leite Tosto E Barros Advogados Associados pode ser acessado pelo www.tostoadv.com.

 

Notas

(1) Lei nº 11.101/05. Tema nº 1.145, julgada pela segunda seção do Superior Tribunal de Justiça do Brasil, disponível em 3 de agosto de 2022.

(2) Não organizada ou registrada como empresas ou entidades comerciais equivalentes.

(3) Para isso, o agricultor precisava apenas ser registrado regularmente no momento da apresentação do pedido.

(4) Equivalente a $900.000 no câmbio atual.

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