22.06.2022
Este artigo foi originalmente publicado na Newsletter Litigation-Brazil do International Law Office – www.lexology.com/commentary
No final de março de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) do Brasil proferiu decisão referente aos honorários advocatícios. O julgamento considerou a reforma de 2015 do Código de Processo Civil Brasileiro e o último entendimento sobre a aplicação de sua seção 85(2) sobre seu parágrafo 8(1).O STJ estabeleceu uma nova interpretação dos limites dos honorários advocatícios e de sucumbência, que terá impacto em todas as ações judiciais futuras no Brasil.
Histórico
O antigo Código de Processo Civil Brasileiro (em vigor de 1973 a 2015) afirmava que a parte que perdesse a ação judicial deveria pagar os honorários de sucumbência à parte vencedora. Isto inclui taxas judiciais, impostos e despesas relacionadas ao processo, assim como honorários advocatícios para a contraparte.
Como regra geral estabelecida no artigo 20 do antigo Código de Processo Civil Brasileiro, os honorários advocatícios devido ao ônus da sucumbência são estabelecidos pelo tribunal ou juiz durante a sentença e são fixados entre 10 e 20% do valor dado a lide ou seu proveito econômico. Entretanto, a seção 20 permitiu que o tribunal ou juiz levasse em consideração a equidade e razoabilidade ao estabelecer honorários advocatícios devido ao ônus da sucumbência em ações judiciais:
- Que não possuiam qualquer valor econômico;
- Que possuiam valor econômico irrelevante; ou
- com um valor econômico extremamente elevado.
Nesses casos, o tribunal ou juiz podia estabelecer um valor que não era obrigatoriamente fixado entre 10 e 20% do valor econômico.
O Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 alterou esta situação. Seu artigo 85(2) agora estabelece que os honorários advocatícios devido ao ônus da sucumbência devem ser fixados, obrigatoriamente, em correlação com o valor dado à lide ou seu proveito econômico – na proporção de 10% à 20% do valor da ação.
Devido à relevância econômica de tal mudança, esperava-se que o STJ enfrentasse a discussão relativa à razoabilidade desta nova regra o quanto antes. Entretanto, não ficou claro de que forma o STJ decidiria.
Fatos
Uma ação judicial de cobrança referente aos impostos devidos e não pagos de uma empresa brasileira foi levada ao Tribunal Federal do Estado do Paraná. Posteriormente, apresentou um pedido de desconsideração a fim de alcançar o patrimônio dos acionistas da empresa.
O pedido de desconsideração foi indeferido pelo Tribunal e, devido ao ônus da sucumbência nos termos do artigo 85 do Código de Processo Civil Brasileiro, os honorários advocatícios foram estabelecidos em um valor específico(2) (ou seja, não entre 10% e 20% do proveito econômico)(3) como sustentado pelo demandante (que, na ocasião, foi considerado responsável pelo ônus da sucumbência).
Foi apresentado um recurso ao STJ, que passou a revisá-lo em dezembro de 2016. O primeiro julgamento ocorreu em março de 2017, sob a presidência do Ministro Herman Benjamin, da Segunda Câmara. Sua decisão de negar provimento ao recurso foi proferida em outubro de 2017.
O julgamento foi seguido por um pedido ao Ministro Og Fernandes para que revisasse o caso. Em fevereiro de 2018, o Ministro Og Fernandes concordou com o Ministro Herman Benjamin. O Ministro Mauro Campbell Marques discordou dos outros dois Ministros em abril de 2018, concedendo um recurso especial à Segunda Câmara do STJ. O Ministro Og Fernandes então alterou seu entendimento e acompanhou a discordância do Ministro Mauro Campbell Marques.
Devido à discordância, o julgamento foi suspenso. A Ordem dos Advogados do Brasil solicitou a admissão na qualidade de amicus curiae, que foi posteriormente indeferido em abril de 2019. A Segunda Câmara enviou o recurso para ser examinado pela Corte Especial do STJ em dezembro de 2019, em função da discordância sobre o assunto entre suas câmaras.(4)
O julgamento da Corte Especial começou em setembro de 2020 e foi concluido, finalmente, em maio de 2022. A opinião final do Ministro Og Fernandes prevaleceu sobre a discordância inicial do Ministro Herman Benjamin.
Decisão
Na Corte Especial, a divergência surgiu entre a opinião do Ministro Herman Benjamin e a do Ministro Og Fernandes.
Para o Ministro Herman Benjamin, a aplicação da seção 85(2) não poderia ser indiscriminadamente aplicada a todos os assuntos e casos. Ela poderia criar um “benefício” para os advogados em litígio contra o Estado que não poderia ser concedido ao Estado contra suas contrapartes, mesmo em casos de conflito com a Constituição Brasileira e seus princípios.
Sua posição também afirmava que o Superior Tribunal Federal, no passado, havia declarado que quando os honorários advocatícios de sucumbência fossem considerados não razoáveis, insignificantes ou excessivos, os tribunais deveriam estabelecer valores moderados.
Este parecer foi seguido pelas ministras Nancy Andrighi, Laurita Vaz e Maria Thereza de Assis Moura.
O Ministro Og Fernandes, por outro lado, declarou que o artigo 85(8) só poderia ser aplicado sobre o artigo 85(2) quando a sentença fosse proferida:
- não impor cobranças; e
- está relacionada a uma causa que possui um proveito econômico irrelevante ou inestimável ou de baixo valor.
Exceto nestas situações, o tribunal deve estabelecer os honorários advocatícios de sucumbência, independentemente se o caso se referir ou não a assuntos estatais, conforme previsto no artigo 85(2) – ou seja, entre 10% e 20% do proveito econômico ou do valor dado à lide. Portanto, o Tribunal não pode criar uma nova lei mesmo quando o proveito econômico ou o valor dado for muito alto. O STJ não pode desconsiderar todas as decisões anteriores neste sentido, nem pode desconsiderar a decisão do Congresso sobre como regulamentar a matéria quando o artigo 85 do Código de Processo Civil foi estabelecido em 2015, na opinião do Ministro Og Fernandes.
A opinião do Ministro Og Fernandes foi seguida pelos Ministros Raul Araújo, Mauro Campbell Marques, Luis Felipe Salomão, Jorge Mussi, Benedito Gonçalves e João Otávio de Noronha.
Portanto, a opinião predominante foi de que a seção 85(2) só não será aplicada quando a decisão:
- não impor cobranças; e
- está relacionada a uma causa que possui um proveito econômico irrelevante ou inestimável ou de baixo valor.
Exceto as ocasiões acima, o tribunal deve estabelecer honorários advocatícios de sucumbência no valor de 10% a 20% do proveito econômico ou do valor dado a lide.
Comentário
Embora a opinião do Ministro Og Fernandes tenha sido celebrada por grande parte da comunidade jurídica, esta decisão tem uma aplicação muito maior quando os riscos relacionados a instauração de ações judiciais são levados em consideração.
Os demandantes e demandados perguntam com frequência quanto custará uma ação judicial. Os advogados podem agora afirmar com mais segurança quando o ônus da sucumbência provavelmente será estabelecido sob a seção 85(2) ou seção 85(8). Portanto, a possibilidade de acrescentar 10-20% aos custos é, mais do que nunca, um fator relevante na decisão em recorrer ou não ao tribunal.
Para maiores informações sobre este assunto, favor contatar Paulo Guilherme de Mendonça Lopes ou Alexandre Paranhos Tacla Abbruzzini do Leite Tosto E Barros Advogados Associados pelo telefone (+55 11 3847 3939) ou email (paulogml@tostoadv.com ou alexandrepta@tostoadv.com).