Valor Econômico: Dr. Charles Isidoro Gruenberg comenta sobre recuperação dos frigoríficos

Agronegócios

Frigoríficos em recuperação longe da retomada
Carne: Independência, Arantes e Quatro Marcos continuam sem pagar pecuaristas credores e sem vender ativos

Passados dois anos do início da onda de pedidos de recuperação judicial no segmento de frigoríficos de carne bovina, o horizonte ainda é nebuloso no que diz respeito a uma retomada. Prova disso é que três das maiores empresas que recorreram ao instrumento no país – Independência, Arantes Alimentos e Quatro Marcos – continuam sem pagar pecuaristas credores, não conseguiram vender ativos e estão sem operar ou operando parcialmente, apesar dos planos de recuperação aprovados.

Como outras empresas do segmento, essas três tiveram de recorrer ao pedido de recuperação porque foram afetadas pela crise internacional, que derrubou a demanda a partir do fim de 2008, e também porque estavam muito alavancadas.

O caso mais emblemático entre os frigoríficos cuja recuperação judicial não avança é o do Independência, que pediu proteção contra a falência em fevereiro de 2009. O plano foi aprovado pelos credores no fim daquele ano, e, em março de 2010, a empresa conseguiu captar US$ 165 milhões em bonds no mercado internacional para pagar fornecedores e para capital de giro. Mas, em setembro, a companhia anunciou que não pagaria juros desses bonds que vencem em 2015.

Mesmo com os recursos que vieram dos bonds, a empresa voltou a ficar sem capital de giro, não conseguiu pagar dívidas e, em outubro, paralisou as três unidades – Nova Andradina (MS), Colorado d’Oeste (RO) e Santana de Parnaíba (SP) -, que operavam parcialmente.

De acordo com levantamento da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), o Independência quitou os débitos até R$ 100 mil e as dívidas trabalhistas, mas pagou apenas cinco a seis parcelas dos créditos acima de R$ 100 mil. Conforme a associação, na época da aprovação do plano as dívidas do Independência só com pecuaristas de Mato Grosso somavam R$ 56 milhões.

Em novembro, o Independência propôs novo plano a seus credores, que prevê venda de ativos, criação de uma nova companhia e conversão de parte da dívida em ações dessa nova empresa. Conforme a proposta, uma fatia de US$ 800 milhões da dívida total, estimada em mais de R$ 2 bilhões, seria convertida em ações. A família Russo, controladora do Independência, ficaria fora da nova empresa.

Sem chegar a uma definição, o encontro de novembro foi suspenso por 60 dias e a discussão deve ser retomada dia 31 de janeiro.

O Quatro Marcos, cujo plano de recuperação judicial foi aprovado em março do ano passado, também paralisou o pagamento a pecuaristas, conforme a Acrimat. Segundo a entidade, o frigorífico chegou a pagar seis parcelas, mas suspendeu o pagamento em outubro passado. O assessor jurídico da Acrimat, Armando Biancardini Candia, diz que há apreensão entre os produtores pois a suspensão de pagamentos sem justificativa poderia levar a empresa à falência.

O plano de recuperação do Quatro Marcos, aprovado pelos credores, envolve um total de R$ 427 milhões, prevê venda de unidades produtivas, e pagamento de pecuaristas em até 12 parcelas mensais. A dívida da empresa com criadores de Mato Grosso é de R$ 26 milhões, segundo a Acrimat.

Para os credores quirografários, o plano prevê pagamento em 12 parcelas semestrais, a partir de 31 de março de 2013. No plano, o Quatro Marcos se comprometeu a vender duas unidades em até nove meses a partir da aprovação, o que ainda não aconteceu. Uma delas fica em Vila Rica (MT), estava em operação, mas agora está paralisada. A outra fica em Cuiabá e está arrendada para a JBS, com opção de compra. Em julho de 2009, já em crise, o Quatro Marcos arrendou cinco unidades para a JBS. Duas delas (Cuiabá e São José dos Quatro Marcos) eram fábricas próprias e a outras alugadas de um grupo privado.

Também o Arantes, cujo novo plano será apresentado hoje a credores, não quitou os débitos com pecuaristas, que em Mato Grosso alcançam R$ 20 milhões. Inicialmente, o plano de recuperação da empresa, aprovado em janeiro de 2010, previa o início do pagamento dos pecuaristas, em 12 parcelas, logo após a aprovação. Mas, informa a Acrimat, o Arantes convenceu os credores que o pagamento seria feito após a venda de alguns imóveis. “Infelizmente não houve venda, capitalização e muito menos o início dos pagamentos”, afirma, em nota, o assessor jurídico da Acrimat.

Em assembleia hoje com credores, o Arantes apresentará novo plano de recuperação, com mudanças em relação ao passado. (ver texto nesta página) Atualmente, só a área de embutidos da empresa está em operação e a divisão de frangos, a Sertanejo, foi arrendada para a Céu Azul Alimentos.

Para o superintendente da Acrimat, Luciano Vacari, ao priorizarem os bancos credores nas negociações dos planos de recuperação em detrimento dos pecuaristas, os frigoríficos se equivocaram. “Levaram muito mais em consideração os bancos do que os produtores”, reclama.

Segundo ele, os pecuaristas não concordavam com os planos, mas acabaram contribuindo para as aprovações numa tentativa de viabilizá-los. Apesar disso, diz, os frigoríficos não conseguiram voltar à atividade pois acabaram perdendo fornecedores de bovinos. “Eles não conseguiram resgatar a confiança do produtor”, afirma. Na avaliação de Vacari, a saída para os pecuaristas é só vender boi à vista.

O Mato Grosso é um dos Estados mais afetados pela crise dos frigoríficos no país. De 40 unidades de abate com inspeção federal, 17 estão paralisadas, segundo a Acrimat. A maior parte está no norte, noroeste e nordeste do Estado.

A expectativa de Vacari é que as unidades sejam reabertas, mesmo que sob administrações diferentes. “Precisamos de grupos com capacidade de pagamento para restabelecer a relação comercial com os pecuaristas”, afirma o dirigente.

Plano realista tem de garantir fluxo de caixa

O advogado Thomas Felsberg, cujo escritório representa os frigoríficos Arantes Alimentos e Frialto, defende que, para dar certo, os planos de recuperação precisam contemplar alternativas de capitalização para a empresa que recorreu ao instrumento. “Os planos só funcionam na medida em que geram confiança dos credores”, afirma.

Para ele, um plano realista é aquele que “pode gerar fluxo para a empresa pagar suas dívidas e funding”. Felsberg admite que o primeiro plano aprovado pelos credores do Arantes gerou passivos que não poderiam ser pagos, apesar dos descontos nas dívidas aceitos pelos credores.

Em relação ao pagamento a pecuaristas, o tema entrará na pauta da assembleia hoje. “Há um grande esforço para deixar a empresa andando”, diz.

Charles Isidoro Gruenberg, advogado do Quatro Marcos, afirma que o plano de recuperação da companhia é “exequível”. No entanto, diz, o frigorífico teve de paralisar os pagamentos a pecuaristas porque o segmento não se recuperou como o esperado e, a partir de outubro, compromissos como quitação de impostos e 13º, impediram que houvesse todos os pagamentos.

Além disso, a empresa não conseguiu vender duas plantas em leilão – conforme previsto no plano de recuperação – em dezembro. Agora, o valor dos ativos está sendo reavaliado, para oferta em novo leilão.

Segundo Gruenberg, que atua no escritório Leite, Tosto e Barros, só o valor obtido com a vendas das unidades do Quatro Marcos em Cuiabá e Vila Rica seria suficiente para reduzir em 80% o passivo da empresa, acertado no plano de recuperação.

Diante das dificuldades para pagar os pecuaristas, o Quatro Marcos pediu à Justiça um prazo de 90 dias “de respiração”, que se encerra no fim deste mês, para voltar a pagar os criadores. A Justiça informou que seria necessária a realização de uma nova assembleia para avaliar a proposta. Também no começo de dezembro, o Quatro Marcos entrou com recurso para que apenas pecuaristas participem da assembleia, mas a Justiça ainda não se manifestou, segundo Gruenberg.

Procurado, o advogado Luiz Fernando Paiva, que cuida da recuperação judicial do Independência não retornou as ligações da reportagem. (AAR)

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