Boletim Tributário: Sancionada lei no estado de São Paulo que promove “minirreforma” tributária – Análise e possíveis questionamentos

09.11.2020

 O Governador do Estado de São Paulo, João Dória, sancionou em 16/10/2020, a Lei n. 17.293/2020, trazendo diversas medidas que alteram a legislação tributária, visando ajustes fiscais e equilíbrio das contas públicas.

Referida lei confere competências legislativas ao Executivo, para alterar ou diminuir os benefícios fiscais relativos ao ICMS e ao IPVA, bem como autoriza a transação de créditos tributários e não tributários.

Dentre as medidas implementadas, destacamos as principais abaixo:

Normas atinentes aos benefícios fiscais de ICMS[1]

  1. Permissão para que o Poder Executivo renove os incentivos fiscais vigentes na publicação da lei (16/10/2020), desde que estejam previstos na Lei orçamentária e que respeitem os requisitos da Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal);
  2. O Executivo também poderá diminuir os incentivos fiscais e financeiros-fiscais referentes ao ICMS nos termos do Convênio CONFAZ nº 42/2016, desde que haja manifestação do Poder Legislativo;
  3. A alíquota que deverá ser equiparada ao benefício fiscal deverá ser fixada em patamar inferior a 18% (dezoito por cento); e
  4. Autorização para que o Poder Executivo devolva o ICMS que incidir sobre itens da cesta básica de famílias em situação de vulnerabilidade, quando por elas adquiridos, obedecidos os critérios a serem fixados em regulamento próprio, observando os termos da Lei nº. 12.685/2007.

Alterações de benefícios fiscais por meio de decreto ou mesmo por lei, sem endosso do CONFAZ ou em contrariedade aos Convênios e Protocolos assinados na sua presença, podem levar a discussões judiciais, principalmente em caso de redução ou revogação de incentivos fiscais onerosos.

Alterações relativas à Substituição Tributária do ICMS[2]

A Lei n. 17.293/2020 acrescentou na Lei nº. 6.374/89 o artigo 66-H, o qual estabelece que cabe ao contribuinte substituído na cadeia de consumo complementar o ICMS, caso tenha ele sido recolhido a menor com base no IVA.

A redação do artigo supratranscrito não esclarece qual substituído deverá efetuar referida complementação, partindo da premissa de que só há um contribuinte substituído em toda a cadeia comercial, o que nem sempre procede, uma vez que existem cadeias econômicas com mais de um substituído entre a indústria e o consumidor final. Tal situação poderá levar a questionamentos administrativos e/ou judiciais.

Por outro lado, o novo dispositivo prevê possibilidade da compensação da diferença de recolhimento do ICMS-ST com crédito devido ao contribuinte, o que pode ser favorável, desde que feita a partir da própria escrita fiscal do contribuinte para que possa ser evitado o entulhamento de pedidos de compensação administrativa supervenientes e a necessidade de homologação destes.

Transação de Créditos de Natureza Tributária ou Não Tributária[3]

A resolução de litígios tributários por meio de transação também foi contemplada pela Lei nº. 17.293/2020 que deve observar os seguintes pressupostos:

A) O artigo 42 prevê os objetos da obrigação tributária ou não-tributária

  1. Dívida ativa inscrita pela Procuradoria Geral do Estado;
  2. Dívidas ativas inscritas de autarquias e de fundações estaduais, cujas inscrição, cobrança ou representação incumbam à Procuradoria Geral do Estado, por força de lei ou de convênio;
  3. Execuções fiscais e ações antiexacionais, principais ou incidentais, que questionem a obrigação a ser transacionada, parcial ou integralmente.”

 

B) A transação poderá ser realizada por meio de adesão, quando da publicação de editais do Estado de São Paulo, ou por proposta individual desde que promovida pelo próprio devedor. Nos casos em que a cobrança se tratar de dívida ativa, a proposta poderá ser por adesão, ou de iniciativa individual desde que promovida pela Procuradoria Geral do Estado.

O artigo 44 estabelece que a proposta de transação, em qualquer das modalidades de adesão não suspenderá a exigibilidade dos débitos e nem o andamento das respectivas execuções fiscais.

 

C) Os compromissos que o devedor interessado na transação deverá cumprir, além de indicar expressamente os meios de extinção, são:

  1. Não alienar nem onerar bens ou direitos dados em garantia de cumprimento da transação, sem a devida comunicação à Procuradoria Geral do Estado;
  2. Desistir das discussões no âmbito administrativo que tenham por objeto os débitos incluídos na transação;
  3. Renunciar aos direitos sobre os quais se fundem ações judiciais, ou recursos que tenham por objeto os débitos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito;

 

D) O Ente público deve atender às seguintes transigências:

  1. Descontos nas multas e nos juros de mora incidentes sobre débitos inscritos em dívida ativa, conforme critérios estabelecidos na própria lei;
  2. Prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento de pagamento, o parcelamento e a moratória, sendo até 84 parcelas mensais, nos casos de devedor em recuperação judicial ou extrajudicial e insolvência e até 60 parcelas mensais nos demais casos.
  • Substituição ou a alienação de garantias e de constrições.

 

E) A lei ainda proíbe a transação nos seguintes casos: (i) débitos não inscritos em dívida ativa; (ii) redução de multa penal e encargos; (iii) débitos de ICMS de empresas que optam pelo simples nacional, com exceção da autorização legal ou comitê gestor; (iv) envolva devedor de ICMS que nos últimos 5 anos apresente inadimplemento de 50% ou mais de suas obrigações vencidas; (v) reduza o montante principal do débito, assim compreendido seu valor originário, sem os acréscimos de multas e juros de mora; (vi) implique redução superior a 30% do valor total dos débitos a serem transacionados, incluídos todos os consectários legais cabíveis; (vii) conceda prazo de quitação dos débitos superiores à 84 parcelas mensais, nos casos de devedor em recuperação judicial ou extrajudicial e insolvência e 60 parcelas mensais nos demais casos. (viii) reduções de juros ou multas para dívidas no gozo de benefícios fiscais para pagamento à vista ou a prazo; (ix) envolva o adicional do ICMS destinado ao FECOEP; (x) ações de repetição de indébito.

A restrição da transação às dívidas inscritas pode gerar situação anti-isonômica, uma vez que privilegia o recebimento de honorários de sucumbência pela PGE e devedores contumazes, em detrimento dos devedores ocasionais, fenômeno que ocorre igualmente na esfera federal.

 

F) O contribuinte poderá ter sua transação declarada rescindida nos seguintes casos: (i) descumprimento das condições firmadas; (ii) constatação de fraude ao cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente à sua celebração; (iii) falência ou extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica transigente; (iv) conduta criminosa na formação; (v) ocorrência de dolo, de fraude, de simulação ou de erro essencial quanto à pessoa ou quanto ao objeto do litígio em resolução; (vi) ocorrência de hipóteses de rescisão estabelecida no termo de transação; (vii) descumprimento de disposição prevista nesta lei ou edital; (vii) questionamento judicial sobre a matéria transacionada e a transação.

 

IPVA[4]

A lei também promoveu alterações no tocante ao IPVA, permitindo que o Poder Executivo conceda isenção para um único veículo de propriedade de pessoa com deficiência física, visual, mental, intelectual, severa ou profunda, ou autista, que impossibilite a condução do veículo.

Por fim, a atribuição de poderes ao Executivo para essa finalidade poderá gerar situações de ilegalidade ou abuso de poder, a exemplo de muitos outros casos de delegação de competência legislativa ao Executivo, como os exemplos clássicos do SAT/RAT/FAP, salário-educação etc.

Nessa linha, a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade por entender que tal prerrogativa ofende o princípio da legalidade, uma vez que o artigo 178 do CTN estabelece que a isenção só pode ser revogada ou alterada mediante lei, sem efeito retroativo, de modo a evitar que benefícios fiscais onerosos anteriormente concedidos não sejam revogados por lei superveniente em prejuízo dos contribuintes, principalmente se estes já tiverem cumprido, antes da lei revogadora, os termos e condições impostos para usufruírem dos benefícios.

A equipe Tributária do Leite, Tosto e Barros está à disposição para orientá-los sobre esse assunto .

*Esse boletim teve colaboração de Maria Luiza Ferreira, Giovanna Machado Ayres e do sócio Carlos Henrique Crosara.

 

[1] Artigos 22 ao 23 da Lei n. 17.293/2020.
[2] Artigo 24 da Lei n. 17.293/2020.
[3] Artigos 41 ao 56 da Lei n. 17.293/2020.
[4] Artigo 21 da Lei n. 17.293/2020.

Cadastre-se e fique atualizado

Seu e-mail está seguro. Somos totalmente contra SPAM.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *