Boletim Arbitral e Tributário: Dano emergente e lucros cessantes no procedimento arbitral e o imposto sobre a renda

06.05.2022

Instada – por contribuinte – a manifestar o seu entendimento sobre a matéria acima intitulada, a Receita Federal do Brasil o fez por meio da Solução de Consulta COSIT nº. 184/2021, reiterando o entendimento já externado em soluções de consulta anteriores.

De acordo com o Fisco federal, só haverá se falar em não-incidência do IRRF relativamente à indenização por dano emergente, isto é, aquela que serve para compensar uma perda patrimonial efetivamente havida pelo contribuinte, ou seja, que lhe produziu prejuízo material (conforme artigo 740, parágrafo 5º do RIR/2018).  Por essa linha de raciocínio, contabilmente, a indenização neutralizaria a perda havida e, consequentemente, não haveria acréscimo patrimonial. Logo, não haveria fato gerador consumado para justificar a incidência do imposto de renda (de acordo com o artigo 43, II do CTN).

Por via reversa, os lucros cessantes devem sofrer a incidência do IRRF, pois não se destinam à reparação do dano havido, mas sim uma compensação razoável pelo que o contribuinte deixou de lucrar, situação essa que geraria acréscimo patrimonial passível de tributação. Nesse caso, deve haver retenção do IRRF pela fonte pagadora dos lucros cessantes, sendo que o seu beneficiário deve registrar esse valor recebido como receita na sua contabilidade, para efeito de formação da receita bruta e do lucro tributável. Nessa hipótese, o IRRF é considerado antecipação do IRPJ a ser apurado de acordo com a contabilidade, ao final do exercício em que se deu o recebimento da importância.

Vale acrescentar que o STJ, sobre essa matéria, vem firmando o entendimento de que incide imposto de renda, porque: “não obstante a verba ostente a natureza de lucros cessantes – o que a qualifica como verba indenizatória -, há acréscimo patrimonial apto a autorizar a incidência do imposto de renda com base no art. 43, II, do CTN” (STJ, 2ª Turma, REsp. nº 1.464.786, Rel. Min. Og Fernandes, DJ. 09/09/2015).

Demais disso, no tema de recurso repetitivo nº. 878, o STJ equiparou juros de mora a lucros cessantes, para efeito de incidência do IR, ao assim se pronunciar: “1.) Regra geral, os juros de mora possuem natureza de lucros cessantes, o que permite a incidência do Imposto de Renda – Precedentes: REsp. n.º 1.227.133 – RS, REsp. n. 1.089.720 – RS e REsp. n.º 1.138.695 – SC.”

Nessa questão em particular, o Consulente argumentou, em caráter subsidiário que, se o Fisco entendesse por devida a tributação dos lucros cessantes, deveria ser aplicada sobre eles a alíquota de 5% do IRRF, com apoio no artigo 738, do RIR/2018, regra essa aplicável às indenizações pagas por força de sentença judicial, a que mais se aproxima do procedimento arbitral em sua natureza jurídica.

No entanto, como era de se esperar, o Fisco entendeu pela aplicação da alíquota mais gravosa de 15%, prevista como regra geral do caput do artigo 740, do RIR/2018, sustentando, basicamente, que a sentença arbitral é distinta da judicial, sendo que, na primeira, é possível escolher se ela será guiada por equidade ou pelo direito posto, ou, ainda, podem ser fixadas as regras de direito aplicáveis, desde que não violem os bons costumes e a ordem pública. Demais disso, sustentou o Fisco que, pelo fato de a União não participar no procedimento arbitral, a decisão nele proferida não a vincula, não sendo, portanto, contra ela oponível.

Pese o respeito face à posição adotada, pode-se afirmar, seguramente, que a interpretação do Fisco não ultrapassa a literalidade do texto legal, sendo, pois, passível de várias críticas com o emprego da interpretação sistemática do ordenamento jurídico.

Isso porque, em primeiro lugar, o artigo 738, do RIR/2018 tem como base legal o artigo 60, da Lei nº. 8.981/95, lei essa que entrou em vigor antes da lei geral de arbitragem (Lei nº. 9.307/96), daí, porque, somente se refere, no seu texto, às indenizações pagas via sentenças judiciais para efeito de utilização da alíquota de 5% para o IRRF. Lamentavelmente, o legislador ordinário deixou de atualizar a norma (artigo 60, da Lei nº. 8.981/95) para nela incluir a sentença arbitral.

Em segundo lugar, apesar de serem diferentes, tanto o processo judicial quanto o arbitral caracterizam jurisdição para todos os efeitos de direito, não havendo sentido criar distinção entre eles para justificar uma tributação mais gravosa para um em detrimento do outro. Essa situação representaria ofensa à isonomia (artigo 150, II da Constituição Federal), pois acabaria por dispensar tratamentos tributários diversos a pessoas que estão em situações econômicas equivalentes (o recebimento da mesma rubrica de lucros cessantes, mas com tributação diversa a depender da via de recebimento ser judicial ou arbitral, descrimen esse que não se afigura razoável).

Como se não bastasse, nos casos em que se discute indenização, tal tratamento fiscal diferenciado poderá, de algum modo, servir de desestímulo à adoção da via arbitral, levando os contribuintes a preferir o Judiciário, já completamente abarrotado de processos. A ideia é justamente o contrário: estimular a arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos, por ser mais especializada e mais célere, a fim de desobstruir o Judiciário.

A criação de distinção entre a decisão arbitral e a judicial é uma interpretação isolada, quiçá inconstitucional, porquanto expressamente contrária ao artigo 31 da Lei de Arbitragem e ao próprio sistema de solução de controvérsia insculpido na Constituição Federal, no Código de Processo Civil de 2015, na própria Lei de Arbitragem e no entendimento jurisprudencial construído ao longo dos anos. Não obstante o esforço do Poder Público de fazer valer métodos de solução de controvérsias não judiciais, a interpretação objeto da Solução de Consulta COSIT nº. 184/2021 implica, em última análise, em retrocesso.

Haveria, no mínimo e seguindo a boa técnica hermenêutica, de se interpretar o artigo 738 do RIR/2018 de acordo com todo o ordenamento jurídico, de forma que, se ele expressamente equipara as sentenças arbitral e judicial (justamente como forma de promover a solução de controvérsia não-judicial), não é cabível a distinção levada a efeito pelo Fisco.

No mais, afigura-se totalmente irrelevante, para fins tributários, o argumento de que a União, por não ter sido parte no processo arbitral, a ele não se vincularia, nem haveria se falar em oponibilidade dele perante si. Não tem sentido a alegação, pois a arbitragem envolve interesses particulares disponíveis entre pessoas privadas, não existindo razão que justifique a presença da União nesse procedimento, pois não há questão de interesse federal direto ou indireto envolvida.

Interessa, para fins de imposto de renda, se há ou não fato gerador e em que regra de tributação deverá ser ele enquadrado. No caso, a regra mais específica se sobrepõe à regra mais geral (lex specialis derrogat lex generalis). Nessa esteira, a que mais se amolda à situação da arbitragem, é a regra estipulada no artigo 738, do RIR/2018 para a indenização paga por sentença judicial, pois, apesar de diferentes, ambas representam jurisdição.

Por fim, a recomendação é a de que as partes envolvidas em procedimentos arbitrais tenham o cuidado de, quando da prolação de sentenças, observar a distinção de cada uma das verbas condenatórias, a fim evitar a tributação sobre verbas de natureza distintas daquelas sobre as quais os tributos devem, de fato, incidir.

Portanto, é importante que haja, no laudo pericial ou na sentença arbitral, a discriminação das quantias que deverão ser pagas sob as rubricas de dano emergente e lucros cessantes, caso contrário, na dúvida, a fonte pagadora acaba fazendo incidir o imposto sobre o valor total pago, para não correr o risco de ser autuada como responsável tributário sobre o montante não retido e não repassado ao Fisco.

As equipes de Direito Tributário e Arbitragem do Leite, Tosto e Barros Advogados se coloca à disposição para maiores esclarecimentos sobre a matéria.

*Esse boletim teve colaboração dos sócios Carlos Henrique Crosara Delgado e Alexandre Paranhos.

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